"Quando colocamos os capacetes, somos todos iguais, não interessa se somos homens ou mulheres" - Francisca Queiroz, pilota de kart

19 de outubro de 2022 por

Nesta edição da rubrica Entrevistas Sem Escape estivemos à conversa com uma das maiores promessas nacionais de karting: Francisca Queiroz, mais conhecida e carinhosamente tratada por amigos e familiares como “Kika”.
Em 2020, Kika deu os primeiros passos nesta modalidade e, logo no seu ano de estreia, conquistou o título nacional na categoria de júnior feminino. A jovem natural de Braga, atualmente com 16 anos, conta-nos mais sobre o karting, a sua experiência e quais os objetivos futuros.



Tudo começou em 2020, ano de pandemia. Como surgiu a paixão pelo karting? Como começa a tua história com este desporto?

Tudo começou com uma corrida de karts de aluguer com os amigos do meu pai. Uma das pessoas que estava presente faz corridas de carros e disse que eu tinha muito jeito. Então, depois disso, quis saber até que ponto é que conseguia evoluir e vi uma porta para entrar no mundo da competição. Posteriormente, uma pessoa que trabalha com o meu pai tinha o filho nos karts e foi, de certa forma, a ponte [para a competição e as corridas]. No fim de semana seguinte, fui ver a equipa, já testamos o kart, vimos se gostava ou não. E a partir daí, foi sempre a treinar.


Conciliar a vida pessoal com um hobby é algo complicado e é preciso gerir o tempo. Como divides o teu tempo entre a escola, os treinos, as corridas, a vida familiar, os amigos? Quais são os “sacrifícios” que tens feito para concretizar o sonho para continuares a investir neste teu gosto pelo automobilismo?

É um pouco difícil de conciliar tudo. Às vezes tenho de deixar de sair com os meus amigos para ir treinar. Tenho que me organizar muito bem e conciliar o estudo com as corridas porque sem os bons resultados na escola não posso andar de kart (risos). Por isso, tenho que tirar boas notas para poder competir e ir aos treinos. Tem que haver sempre um equilíbrio e concílio entre todas as partes.




Como pilota de karts, deves te inspirar em algumas pessoas, pilotos. Quais são as tuas inspirações na mobilidade?
 

Todos os pilotos de Fórmula 1, claramente, mas também me inspiram muito, por exemplo, os pilotos de kart que andam melhor do que eu. Penso sempre “um dia quero ser como eles, quero conseguir andar como eles, conseguir ganhar as corridas que eles ganham, ganhar o campeonato”.


Esse pensamento acaba por ser uma inspiração para atingir metas, acabas por ter as tuas próprias metas pessoais, evoluindo até atingires os teus maiores objetivos. Qual é, de facto, o maior objetivo da tua carreira?

O meu sonho é ser campeã na geral, não só feminina, mas também incluindo os rapazes. Ser campeã do campeonato nacional.


Esse objetivo acaba por necessitar do teu esforço e empenho, visto que o automobilismo acaba por ser ainda um mundo maioritariamente de homens. A FIA, de facto, está e tem vindo a trabalhar para mais mulheres praticarem e competirem neste desporto, tendo criado esta temporada uma divisão - a FWomen - apenas para desportistas femininas. Qual é a tua opinião e experiência, enquanto mulher, a competir e a conviver neste meio?
 

Quando nós colocamos os capacetes, somos todos iguais, não interessa se somos homens, se somos mulheres. Acho que fica mesmo uma competição de igual para igual. Nós não temos menos um braço do que eles [homens], não temos nada a menos do que eles.


Não sentes, então, que em competição acaba por haver o estereótipo dos outros pilotos que correm contigo de que “ela é mulher, por isso eu corro mais rápido do que ela”?

Há sempre um pouco essa ideia porque os rapazes não gostam de ficar atrás de uma rapariga num mundo de rapazes, mas eu acho que entre eles mesmos existe essa competição. Existe o pensamento [em competição] de “eu não quero ficar atrás daquele” ou “não quero ficar atrás daquele outro”. Acho que acaba por ser mais ou menos igual, independentemente do género.


Facto é que temos assistido cada vez mais mulheres no automobilismo. Exemplo na Fórmula 2 uma mulher - Tatiana Calderón - a competir, nas boxes das maiores corridas de Fórmula 1 já se vê o aumento das mulheres. Consideras que isso também é algo positivo e que acrescenta ao desporto?
 

Sim, eu acho que ter mulheres num mundo de homens é sempre bom. É tirar aquele estigma de que as mulheres são para o ballet e os homens são para os carros. Acho que isso devia acabar, porque não é verdade. Tanto as mulheres podem ir para o automobilismo, jogar futebol, como os homens podem dançar ballet e fazer esse tipo de atividade.


De facto acaba por se ver isso no karting, essa igualdade, porque vocês competem todos contra todos, há uma competição conjunta de mulheres e homens.

Sim, certo. O karting é um bom exemplo dessa igualdade.

 


Sabemos que o automobilismo tem as suas dificuldades: os treinos, a competição, conseguir atingir os objetivos. Quais consideras serem as principais adversidades de praticar este desporto?

Eu acho que a maior dificuldade em praticar desportos de alta competição é muito a cabeça, porque se nós [atletas] não estivermos a 100%, se a nossa cabeça estiver noutro sítio, não conseguimos. Acho que é a parte mais difícil. [Sem a parte mental] não conseguimos fazer nada, porque depende muito da nossa concentração, do que nós estamos lá a fazer. Nós podemos querer uma coisa, mas se nós não estivermos lá física e mentalmente, não vai acontecer.


De facto, este não é um desporto acessível a todas as pessoas e jovens. É do conhecimento geral, que o automobilismo vive de patrocínios que apoiam e ajudam os pilotos. Consideras primordial o suporte dos patrocínios, o investimento deles e, tu contando já com algumas marcas, existem adversidades em encontrar estes patrocínios?
 

A parte dos patrocinadores é muito importante porque, por exemplo no karting, não somos apoiados por nada, só pelos pais e pelos patrocinadores e se os pais não tiverem possibilidades financeiras para nos apoiar, não vai ser a federação que nos vai apoiar, então vamos só desistir de um sonho.


Os patrocínios e a família acabam por ser o maior suporte para seguir o sonho do karting?

Sim sim, sem dúvida.


Este desporto tem vindo a crescer em Portugal e também um pouco pelo mundo todo. Enquanto desportista a competires no automobilismo, que conselhos, recomendações, dicas podes dar aqueles que gostam do desporto e querem iniciar a sua atividade como pilotos?

Experimentar, ver se gostam mesmo porque acaba sempre por ser um investimento um bocadinho grande (risos). E se gostar, tem que treinar muito ou não vai ter resultados.




O automobilismo é um desporto de velocidade. Enquanto pilota, sentes-te segura a conduzir? Há um grande investimento na segurança dos pilotos?
 

Sim. É mais seguro andar de kart do que andar na estrada. Literalmente (risos). Por acaso, recentemente tive uma corrida em que tive um pequeno acidente. Apenas me magoei um pouco na mão, inchou, mas o kart sofreu danos consideráveis. Se ao andar na rua cair, vou ficar com arranhões e até posso acabar por partir uma mão e é uma coisa que nos karts é muito raro acontecer, magoar-nos a sério. Portanto, é seguro.


Os teus pais não ficam preocupados por deixarem a filha ir correr a grandes velocidades?

Ficam um bocadinho, mas eu acho que também não é nada demais. Há aquele receio de algo que possa acontecer, mas é raro isso acontecer.
 

No desporto automobilístico, nos bastidores existe a presença da família e cada vez mais assistimos à presença de famílias inteiras a ver as corridas. Consideras que este acaba por ser um desporto familiar, que o gosto pelo automobilismo passa de geração em geração?

É assim, famílias de fora no mundo de karts não, porque não vai quase ninguém que não esteja inserido nesse mundo. Mas famílias de pilotos, por exemplo, isso sim vão quase todos porque acaba por ser importante o apoio da família num desporto de alta competição.


Sentes a necessidade de ter mais público? Seria mais proveitoso o desporto com a presença de mais público nas bancadas?

Se calhar sim. É como o futebol de pessoas da minha idade. Esses já tem algum público comparado com os karts. Os karts são só família, lá [no futebol] já vai gente de fora, já têm venda de bilhetes para ver esses jogos.


Vivemos uma fase de transição da combustão para o carro mais sustentável. Atualmente, já existem karts elétricos, já vemos esta transição a acontecer. Consideras que o futuro deste desporto passa pelos karts elétricos ou os a combustão nunca irão deixar de existir?
 

Eu acho que os karts precisam de barulho. Eu já experimentei um kart elétrico e não gostei nada (risos). É estranho, porque nós [pilotos] quando estamos a correr, ouvimos o barulho do nosso kart. Num kart elétrico, nós não ouvimos absolutamente nada. Ouvimos só o vento a bater contra nós e é uma sensação um bocadinho estranha. Há pessoas que já andam de karts elétricos, mas eu não me vejo a conduzir num kart elétrico.


O desporto é feito para atingir objetivos. Qual é ou quais são as próximas metas que pretendes atingir?

Pretendo ser a campeã nacional no geral e para isso é que tenho que trabalhar e treinar muito, tenho que me esforçar. E fazer algumas corridas no estrangeiro, porque eles são muito mais competitivos do que em Portugal - as grelhas são maiores, há mais pilotos envolvidos. Acho que a competitividade, por exemplo, em Espanha comparando com Portugal, é muito maior, há muitos mais pilotos em pista, as pistas também estão em melhores condições.


Entre os dias 26 e 30 outubro, irás competir nos FIA Motorsport Games em Marselha, França. Quais são as expectativas para esta competição?
 

Espero ir para lá e conseguir melhorar, conseguir obter bons resultados como é óbvio (risos). São os “jogos olímpicos do automobilismo” e pretendo, também, ver como é que funciona mais de perto os outros ramos do automobilismo.

 
 


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