Nesta edição do Entrevistas Sem Escape estivemos à conversa com Cláudia Abreu e Pedro Castro, criadores do primeiro grupo português de carros elétricos na rede social Facebook. O grupo "Carros Elétricos Portugal" surgiu em outubro de 2015 e conta atualmente com mais de oito mil membros.
Com o grupo próximo de atingir a sua primeira década, os seus fundadores falam-nos da interação da comunidade desde as primeiras dezenas a integrá-lo até aos últimos milhares, da sua experiência com a mobilidade elétrica e do que esperam alcançar no futuro.
Numa altura, ainda, tão inicial da venda de veículos elétricos, do conhecimento sobre estes, com poucos modelos disponíveis e pouca aposta das marcas, o que os levou a optar por um veículo elétrico inicialmente?
(Cláudia) Os carros elétricos aliciaram-me inicialmente porque não gosto do cheiro da gasolina e do gasóleo. O cheiro afetava-me em termos respiratórios, a garagem ficava com mau cheiro. Aliciava-me, também, o facto de ficar mais barato em termos de combustível (nomeadamente ao carregarmos em casa). A decisão baseou-se maioritariamente nessas duas questões: a ecológica e o facto de ficar mais barato ao final do mês. No início podia ficar mais cara a compra mas, ao longo do tempo, ficaria mais barato.
A partir daí, o Pedro começou a pesquisar mais sobre carros elétricos. Nós nunca quisemos comprar carros que implicassem o aluguer de bateria e a respetiva prestação. A ideia era comprarmos o carro e carregarmos em casa - como tínhamos garagem era muito vantajoso [no geral]. No início, o carregamento do carro era gratuito mas não estávamos a contar com isso uma vez que poderia sempre não funcionar e demorava mais tempo. Em casa sabíamos que, durante a noite, carregávamos.
(Pedro) Na altura, quem tinha os postos de carregamento rápidos eram as marcas que vendiam os carros. Neste caso, comprámos o Nissan Leaf - na altura havia três disponíveis praticamente: o Leaf, o Zoe e o i3. A Tesla também, claro, mas era ainda algo desconhecida no início e não havia os postos de carregamento que há agora. Também, não nos aliciava tanto - muita tecnologia e pouco carro. Na altura, em 2015, o estacionamento em via pública podia ser feito gratuitamente com o carregamento do carro também gratuito. [No entanto], como a Cláudia disse, às vezes funcionava mas outras vezes não.
(Cláudia) Na altura não fazíamos muitos quilómetros. Aquele carro seria para fazer 60 km por dia no máximo.
(Pedro) A Cláudia conseguiu usá-lo muito bem. Na altura, dava aulas em cinco ou seis escolas diferentes e com uma carga ela conseguia dar a volta toda. Ao chegar a casa tinha que carregar.
(Cláudia) Nesse ano poupou-se muito dinheiro. Na altura, ainda fazia cerca de 60 km por dia de escola em escola. Todos os dias a fazer esses quilómetros com um carro elétrico resultou numa poupança significativa. Como o Pedro é contabilista, tínhamos uma empresa. Assim, tínhamos a benesse de entrar para a empresa - íamos recuperar o IVA.
(Pedro) Para quem for cliente individual, o carro elétrico traz a vantagem financeira a nível de combustível e a questão ambiental. Em termos de benesse fiscal, infelizmente não há muita no nosso país para incentivar a compra de um carro elétrico. Em 2016, a Cláudia foi colocada em Monção - são 160 km daqui (Vila Nova de Gaia) - e conseguia a proeza de ir daqui até Viana do Castelo. Em Viana do Castelo tinha o único posto disponível de carregamento rápido - estamos a falar de 50 kW, o que, hoje em dia, não é suficientemente rápido. A Cláudia conseguia aí carregar e seguir para Monção. O carro estava lá em cima toda a semana. Em finais de 2016 abriram outro posto.
(Cláudia) Os carregamentos eram gratuitos mas representavam ainda algum stress.
Foi uma decisão unânime ou um de vocês influenciou o outro?
(Cláudia) Eu cismei, desde o início, que queria um carro pouco ou nada poluente. Então, falava do assunto em casa e o Pedro, como percebe de carros, começou a pesquisar sobre isso. Eu não tinha noção dos preços dos carros, sou sincera. Eu influenciei-o a pesquisar e ele entretanto viu que valia a pena. O preço deixava-me algo reticente mas o Pedro disse que, apesar de ser caro, podia entrar para a empresa a 100%. Desta forma, se calhar, iria até compensar. Nessa fase, foi ele que me convenceu a mim.
(Pedro) Para empresas é um investimento recuperável a 100%. Infelizmente, para pessoas individuais, esse investimento não é tão retornável.
(Cláudia) Compensa a longo prazo, ainda que se tenha que esperar mais tempo.
(Pedro) Infelizmente, este país não adota políticas sustentáveis de forma a que as pessoas se sintam mais motivadas a efetuarem esta escolha. A mobilidade elétrica deve ser feita de forma muito racional. Não podemos simplesmente decidir ‘agora vou fazer uma viagem daqui a Barcelona’. Com o carro elétrico não é o tipo de viagem em que, durante a viagem, vamos ter centenas de postos de abastecimento. Vamos ter só dezenas e, muitas vezes, podem nem estar a funcionar. Infelizmente, ainda estamos nessa fase.
Mesmo assim, Portugal já deu um passo muito grande - com exceção do interior que precisa de um pouco mais de investimento. Quem não tem um carro com bastante autonomia pode acabar por ficar na estrada ou demorar muito tempo a fazer os carregamentos para continuar a viagem.
Qual é a vossa experiência enquanto consumidores, nomeadamente na condução, carregamentos, autonomia? Ou seja, as questões que deixam, ainda, a população algo reticente no que toca a veículos elétricos.
(Pedro) Eu acho que a escolha do carro elétrico, neste momento, ainda se prende muito na questão da autonomia. As pessoas não procuram, ainda, qualidade mas sim economia e eficiência. Tentam sempre ver qual o carro com maior autonomia - esse é o principal motivo de escolha entre o carro A, B ou C. Acho que, cada vez mais, esse ponto de interesse vai diminuir, tendo em conta o aumento do número de postos de carregamento. Hoje em dia, se tivermos um carro elétrico que faça uma viagem entre os 300 - 400 km, já podemos ir daqui ao Algarve (600 km) e fazer uma ou, no máximo, duas paragens.
Acho, também, que as pessoas também estão a comprar os carros muito sobrevalorizados. As marcas ditas de “entrada de gama”, estão a fazer-se usar do valor elétrico para exponencializar o preço dos veículos. Vemos carros elétricos inicialmente a serem comercializados na casa dos 35-40 mil €. No caso de um carro de combustão com esses valores já estará enquadrado num segmento médio-alto; se for elétrico é um carro de acesso. Penso que esse é um dos fatores que, no nosso país, está a impedir esta transição.
(Cláudia) Excluindo o preço, há pessoas que me dizem que estão a ponderar comprar um carro elétrico para poupar e me pedem opinião. A única questão que refiro por considerar muito importante é ter uma garagem. Se não tiver, é melhor esquecer. Não podes estar dependente do exterior. Há pessoas que não têm garagem e acabam por não ter hipótese porque para ter um carro elétrico é preciso ter um local para, durante a noite, carregar o carro (e de forma mais barata). Para mim, essa é a única condição para alguém ter um carro elétrico. No exterior ainda não temos postos suficientes e é muito caro. Se é pra poupar dinheiro mais vale ficar com gasolina.
(Pedro) Sim, porque ao carregar na via pública fica quase tão caro como abastecer um carro a gasóleo.
(Cláudia) E o carro é caro. Se fosse barato… mas não é. Tendo garagem, sem dúvida que aconselho logo. Mesmo que o carro seja um bocadinho caro, digo que compensa e explico as vantagens: tens garagem, carregas à noite, se não fizeres mais de X km/dia estás perfeitamente à vontade, o carro não dá problemas nenhuns, as revisões são baratíssimas, na garagem o carro não polui, não suja nada. Há toda uma série de vantagens.
O que consideram ser mais importante: aumentar a autonomia dos veículos ou apresentar mais gamas de entrada e baixar o preço, mesmo que isso signifique baixar a autonomia?
(Pedro) Se os carros forem mais baratos vai resultar no aumento de carros. Assim, por sua vez, tem que haver obrigatoriamente um aumento de postos de carregamento. Melhorar a eficiência da rede é essencial. Na autoestrada, por exemplo, do Porto a Lisboa, só temos um ponto na autoestrada que nos permite ter vários carros (mais de quatro) ao mesmo tempo a carregar - que é Leiria. Todos os outros têm, no máximo, três pontos para carregar. No caso de haver fila de espera estamos a falar de, provavelmente, 1h no total naquele posto, sendo que os carregamentos costumam ser 20-25min.
Penso que uma autonomia para 300-400 km já é mais que suficiente porque nem toda a gente faz viagens de 400 km diretos todos os dias. Portanto, penso que não parte pelo aumento da capacidade. Parte pela diminuição do preço dos carros e melhoria da rede de abastecimento.
O maior lobby que não está a ser controlado é a taxa de utilização do posto - o que encarece tudo. Já pagamos a eletricidade a um preço mais alto do que se paga em casa, ainda se paga uma taxa de ativação e uma taxa de utilização. As próprias redes vêem isto como uma fonte de atração para as pessoas irem lá e consumirem os produtos do posto de abastecimento (café, snacks). Se assim não fosse, ninguém abastecia nas autoestradas. Como isto aconteceu já há alguns anos atrás, muita gente não se lembra que antigamente as bombas eram só bombas de abastecimento. Hoje em dia têm sempre um café e snacks para que as pessoas possam ir lá e aumentar o consumo. Esta taxa de consumo de utilização dos postos é muitas vezes tão ou mais cara que a própria eletricidade que se consome - o que se verifica nas faturas. Esse fator tem, também, impedido a transição do carro a combustão para o carro elétrico.
Por que tipo de modelos têm preferência? O que os leva a optar por um tipo de modelo em vez de outro?
(Pedro) Temos três carros elétricos de três marcas diferentes: um Nissan Leaf, um Volvo C40 e um Polestar (apesar do último derivar da Volvo). Algo a que damos preferência, a seguir à questão ambiental, é a segurança. Não são os mais baratos do mercado, nem os mais caros. Privilegiamos o conforto e a segurança acima de tudo porque, quando viajamos, temos de proteger quem vai connosco. O Volvo C40 tem uma autonomia entre 300 a 400 km e o Polestar também ronda os mesmos valores (o máximo que eles tinham disponível no momento).
No que toca às outras marcas e se falarmos de eficiência, a Tesla é quase imbatível até ao momento. Algumas marcas chinesas que vão entrar no mercado provavelmente estarão muito próximas em termos de eficiência. Mas um carro não é só eficiência elétrica. Se assim fosse nos carros a combustão também não se vendiam carros de cilindrada mais elevada (venderiam-se apenas carros que gastassem pouco e que fizessem o maior número possível de quilómetros).
(Cláudia) No meu caso não escolho pelas marcas mas sim por questões estéticas. Ar condicionado, aquecimento do volante, google maps, essas pequenas coisas são também importantes.
A marca Polestar é ainda algo desconhecida em Portugal. Decerto muitos portugueses ainda não reconhecem o carro. Como tem sido a experiência de serem pioneiros enquanto utilizadores da marca a nível nacional?
(Pedro) A marca Polestar, em termos de segurança, tem uns toques da Volvo (marca de que sou fã). Em termos estéticos, é um carro que sobressai e que não passa despercebido na estrada. Peca pelo peso que tem, o que o torna menos eficiente mas que se traduz em segurança. Tem sido uma agradável surpresa em termos de condução. Se podia ser melhor? Provavelmente. Mas está a evoluir e a marca está a ser apresentada mundialmente. No geral, o feedback é positivo.
Possuem ainda algum carro a combustão ou são já 100% elétricos?
(Cláudia) Temos um Opel Corsa de 1996 para que a nossa filha possa aprender a conduzir e estar à vontade com as mudanças. Consideramos muito importante saber conduzir com transmissão manual. Temos, também, uma autocaravana que não é elétrica mas estamos já a estudar e mal haja uma opção elétrica vamos mudar.
O grupo “Carros Elétricos Portugal” foi fundado em outubro de 2015. Como surgiu a ideia da criação do mesmo? O que vos levou a iniciar o grupo?
(Cláudia) Nós já tínhamos alguns grupos - eu na área da educação e o Pedro de campismo. Na altura, a primeira coisa que fiz foi pesquisar no Facebook se havia grupos da área da mobilidade elétrica e descobri que não. Lembro-me que os grupos eram todos ingleses. Optámos por não cingirmos o grupo apenas ao modelo Nissan Leaf para que fosse inclusivo. A perspetiva era a de colocar questões, partilhar preocupações, pedir ajuda no caso dos postos de carregamento, no caso de acontecer alguma coisa ao carro como proceder... No início era pouca gente.
(Pedro) Há dois, três anos é que o grupo começou a crescer. Também porque fomos permitindo que crescesse. Éramos muito mais seletivos antes porque muitos queriam apenas criticar. Inicialmente, as pessoas pensavam que era tudo dado a quem andava de carro elétrico.
(Cláudia) Foi precisamente por isso que ao criarmos o grupo decidimos que seria preciso autorização para aderir - para ser possível controlar um pouco o tipo de pessoa que entra. Funcionou muito bem e, no início, foi muito interessante - havia muita partilha de informação. Ainda há mas quando os grupos são grandes começa a haver muita publicidade, pessoas que queiram promover alguma coisa. No início isso não acontecia. Era uma partilha genuína. A ideia foi sempre essa - nunca foi comercial. Aliás, até já nos tentaram comprar o grupo.
(Pedro) É um grupo genuíno mas temos a noção que temos lá muitas pessoas donas de stands, concessionários e de algumas marcas - o que nos deixa gratos. Mas queremos manter o grupo genuíno para que as pessoas possam partilhar as suas experiências. Às vezes, quando as pessoas mostram algumas fragilidades ou lacunas que os carros possam ter, permite que o serviço evolua. É gratificante ver as pessoas a partilhar e a esclarecer as dúvidas e ajudar uns aos outros. Provavelmente, mais tarde ou mais cedo, iremos colocar alguns moderadores mas, neste momento, ainda nem isso aceitamos.
Há fases em que há perfis mais agressivos mas vamos eliminando essas contas. Cada vez mais quem quer comprar um carro elétrico compra com a ideia de fazer parte e de não ser elitista. O carro elétrico já é visto como uma transição, um ponto de passagem.
Tiveram alguma experiência menos positiva que os tenha levado a ponderar continuarem na administração do grupo?
(Pedro) Não, a ideia do grupo é nossa e não devemos abandonar as nossas ideias. Há pessoas que tentam desestabilizar, o que é normal nos grupos.
(Cláudia) A única coisa desagradável que às vezes acontece, que é normal, é haver alguém que diz ‘cuidado que a pessoa X porque fez um determinado comentário’. Nós vamos lá e, ou moderamos, ou excluímos a pessoa do grupo quando há motivo para. Aquele grupo é mesmo de partilha e a nossa intenção não é comercial. No início eu colocava mais posts porque tinha mais dúvidas. Quem tem uma dúvida e coloca lá tem sempre uma resposta de alguém, o que é muito positivo.
O grupo tem vindo a crescer continuamente desde 2015. Agora, perto de alcançar a primeira década, quais são os objetivos que gostariam de ver realizados no mesmo?
(Pedro) Nunca vimos o grupo pela vertente comercial. Se pudéssemos ser usados para que as empresas pudessem constatar as nossas necessidades e levá-las em consideração seria uma mais valia. De resto, o que queremos é que o grupo continue a crescer genuinamente e que as pessoas que o constituem possam ser motivadoras para que outras queiram aderir também.
(Cláudia) Nunca tinha pensado nessa perspetiva mas, agora que colocou a questão e pensando no assunto, uma coisa interessante para o grupo seria que o mesmo fosse levado em consideração por empresas ou pelo governo e que servisse de base para fazer um inquérito. Por exemplo “estamos a pensar aumentar os postos de carregamento. Onde acham que os mesmos são mais necessários?”. Tal seria uma mais valia para o grupo: ser levado em conta.
Há espaço para melhorar na comunidade da mobilidade sustentável?
(Cláudia) No aumento dos postos de carregamento para que as pessoas se sintam à vontade sem ter que programar a viagem de quilómetro a quilómetro.
(Pedro) Na otimização dos valores a cobrar pela energia.
(Cláudia) Exato, colocar valores mais justos. Também haver mais incentivos por parte do governo.
(Pedro) Quando falamos em incentivos não têm que ser, necessariamente, subsídios. Uma vez que somos um país com tanta exposição solar, a iniciativa de fomentar investimento solar em fornecimento do carregamento de um carro elétrico já era um bónus positivo.
(Cláudia) Na Suécia vimos que os postos de abastecimento de carros elétricos eram postos solares, o que é fantástico.
(Pedro) Na nossa casa temos já alguns painéis solares, baterias, o que nos permite carregar o carro - não de forma 100% gratuita mas que nos permite auxiliar no carregamento. Nós viajamos pela Europa e posso dizer que somos dos países europeus que menos painéis solares temos nas casas. Noutros países da Europa há campos de produção fotovoltaica enquanto no nosso país é muito mais pontual. Há falta de informação e de motivação por parte das entidades.
(Cláudia) Já que o objetivo é o desenvolvimento sustentável e é possível reduzir a energia, porque não fazer isso pelo meio ambiente?
Que conselhos dariam à população que conduz veículos elétricos para que se tornem uma comunidade mais unida?
(Pedro) Há já bastante entreajuda nesta comunidade. Hoje em dia não se fala “és da marca A, B ou C”.
É importante, no que toca a quem vende os carros elétricos, informar como carregar os carros. Infelizmente, alguns clientes são aderentes desta nova mobilidade e carregam os carros indevidamente. Há veículos que não carregam mais que 50 kW/h e usam postos de 150 kW, o que é mau de duas formas: não estão a otimizar o seu carregamento porque estão no exponente máximo e podiam estar no de 50 kW; estão a ter mais custos porque lhes fica mais caro um posto desses por ser mais rápido (mesmo que não esteja a carregar à velocidade que supostamente carrega); e, por fim, estão a ocupar um lugar que poderia estar a ser utilizado por outro. Este conhecimento devia ser transmitido por quem vende. No entanto, muitas vezes, também não têm esse conhecimento porque não circulam com um carro elétrico. A utilização dos postos devia ser mais explícita - se o carro só carrega até X este posto não é o indicado. Quando comprámos o Nissan Leaf o próprio vendedor também não nos conseguia ajudar porque também não sabia.
O que deve ser feito/implementado para que mais público tenha interesse em adquirir veículos elétricos?
(Pedro) O preço é o principal. Ainda, benefício fiscal para quem compra. O facto do carro elétrico não ter taxação a nível de IUC, este aumento de preço é, também, uma receita para o Estado devido ao IVA. Se as pessoas pudessem deduzir parceladamente o IVA que pagam no IRS, provavelmente iriam escolher mais rapidamente um carro elétrico. Não faz sentido que o IVA de um carro elétrico em que o valor base seja, por exemplo, 35 mil € - ou seja, um IVA superior a 7 mil € do qual é totalmente entregue ao Estado - e o Estado depois já não arrecada nada. Como não vai ter IUC e Imposto sob veículos, só tem o IVA sob o valor da compra. Tudo o resto só vai poder ir buscar ou na eletricidade ou nas manutenções. Estas são diminutas e os pneus também duram bastante.
O nosso Leaf só trocou de pneus uma vez aos 80 mil km. Os nossos carros já têm mais de 20 mil km e os pneus estão como novos. O desgaste destes carros, se os soubermos usar, é mais eficiente do que os carros a combustão. Não há troca de óleos ou de filtros. Se o custo dos carros baixar um pouco e se houvesse um incentivo à instalação dos painéis solares, por exemplo, para quem optasse por estes carros, mais o benefício do IVA na sua declaração do IRS, provavelmente seria um incentivo à compra do carro elétrico. Um carro a combustão por 50 mil € é do segmento médio-alto enquanto que se for elétrico é um citadino. Não faz sentido.
Quais são as opções que consideram viáveis para a população que pretende optar por alternativas mais sustentáveis mas não tem, ainda, condições para adquirir um veículo elétrico?
(Cláudia) Transportes públicos se estes funcionassem bem. Em Vila Nova de Gaia temos mais de cinco ou seis empresas diferentes de transportes públicos. Cada um tem a sua tarifa. Alguns autocarros são elétricos enquanto tantos outros não são. A própria mobilidade dos transportes públicos não é elétrica. Seria benéfico se todos os transportes públicos fossem elétricos e funcionassem através de uma aplicação ou plataforma, por exemplo, interligada com o Google Maps. Assim, este tipo de transporte seria realmente uma mais valia, nomeadamente para quem não consegue comprar um carro elétrico.
(Pedro) O próprio trânsito iria beneficiar. Os carros elétricos têm desmentido o que muita gente dizia acerca das baterias supostamente morrerem ao fim de cinco anos. O nosso Leaf já tem oito anos e “está para as curvas”. O defeito que ele tem é o mesmo desde o início: baixa autonomia (120-130 km). Ao fim destes oito anos ainda faz os mesmo 120-130 km, dependendo da velocidade. Os carros elétricos, mesmo usados, estão a sobrevalorizar e estão a mostrar que não é pelo facto de terem X anos que vão ser postos na sucata.
(Cláudia) Há pessoas que querem comprar carros elétricos usados por serem mais baratos, o que não acontece. Nós não queremos vender o nosso primeiro carro elétrico. Dão tão pouco trabalho e despesa que não compensa vender e se vendessemos seria a um preço caro. Os carros elétricos usados não estão, neste momento, a desvalorizar.
(Pedro) O nosso Leaf custou-nos novo, em 2015, quase 30 mil € e, nesta altura, provavelmente conseguiríamos vender por volta dos 12 mil €. Um carro com 8 anos ter ainda esta taxa de valorização, tendo em conta todos os handicaps que as pessoas referiam, não é um mau investimento. E já recuperámos o valor total dele. Mesmo que não fosse fiscal em termos de empresa, já teríamos recuperado face às manutenções, aos quilómetros que já tem… Tudo o que já se economizou era mais do que suficiente para, nestes 8 anos, ter recuperado o valor do carro.
E no futuro? Consideram que a mobilidade elétrica será mesmo a tecnologia do futuro? Haverão outras tecnologias que sejam mais benéficas a nível ambiental, monetário ou acreditam que a mobilidade elétrica é a solução?
(Cláudia) Eu, como não conheço mais nada, penso que passa pela mobilidade elétrica, num futuro próximo. No nosso futuro, eu acho que sim.
(Pedro) Se quiserem que a mobilidade elétrica seja o futuro, ela pode ser. Não faz sentido que um carro em movimento só tenha desperdício. Nem faz sentido que um carro só na travagem é que possa regenerar. O motor em movimento deveria ser capaz de gerar energia.
Acredito mais no hidrogénio e na fuel cell - apesar deste ainda não estar devidamente investigado. Uma coisa é certa: a combustão não será, e ainda bem. Temos de parar com o lobby do consumo do petróleo - temos de mudar esse paradigma. Os recursos naturais - e a energia é um recurso natural - devem ser aproveitados.
Pretendem continuar a investir na partilha de informação e de experiências na mobilidade sustentável?
(Pedro) Definitivamente. Por alguma razão deixámos os carros a combustão. Tivemos carros a gasóleo, carros a gasolina e agora elétricos. De facto, o que dá mais agradabilidade a conduzir é o carro elétrico porque muda-nos o paradigma. Não queremos ser mais rápidos, queremos ser mais eficientes. Quanto mais eficientes formos mais benefícios trazemos e as viagens tornam-se ainda mais satisfatórias.